TRIO ELIPSOIDAL: 18 STRINGS E UM SÓ VIOLÃO

Resenha do concerto realizado no Espaço Cultural BNDES, no Rio de Janeiro, em 25/07/2025

COLUNA HUMBERTO AMORIM

7/28/20255 min read

Trio Elipsoidal no Espaço Cultural BNDES

Com berço em São Paulo e fundado em 2018, o Trio Elipsoidal vem acumulando concertos e realizações importantes na última década. Formado originalmente por Breno Chaves, Luciano Morais e Alberto Guedes, o grupo já realizou concertos anteriores no Rio de Janeiro, incluindo uma celebrada participação na XVIII Mostra Fred Schneiter, em 2022. Desta vez, a apresentação foi realizada no Espaço Cultural BNDES, um dos corações culturais da cidade maravilhosa.

Depois de atravessar o difícil momento pandêmico e mudanças de formação (a atual composição inclui Breno Chaves, Fábio Bartoloni e Vinícius Brandão), o Trio voltou aos palcos cariocas de fôlego renovado, mostrando uma sonoridade madura e refinada, o que parece refletir o principal objetivo atual de seus membros: dar unidade às diversas matizes e nuances que potencialmente podem ser geradas pela união de três violões.

A busca por este ideal sonoro se expressa desde a escolha do título da apresentação: “Brasil a 3: Matizes do Som”. Na ordem em que foi tocado, o belo repertório apresentado foi o seguinte:

TRIO ELIPSOIDAL – PROGRAMA NO BNDES

Brasil a 3: Matizes do Som

LACERDA, Osvaldo (1927-2011)

Poemeto

OLIVEIRA, Sérgio Roberto de (1970-2017)

18 Strings

BARBIERI, Luis Carlos (1963-)

Crônica Breve

ALEGRE, Paulo Porto (1953-)

Trio 2005

I Sem título

II Varandeio

III Tocata

BOUNY, Elodie (1982-)

Three Wishes

ASSAD, Sérgio (1952-)

Suíte Brasileira n.2

I Maracatu

II Balada

III Choro

SOR, Fernando (1778-1839)

Introdução, Tema e Variações sobre a "Flauta Mágica" de Mozart op.9

(arranjo para 3 violões: Sérgio Abreu)

BIS:

LACERDA, Osvaldo

Poemeto

Com produção do maestro e violonista Daniel Cornejo (RODA), o grupo tocou 07 peças quase que exclusivamente dedicadas a compositores brasileiros. De bis, repetiu-se a delicada obra com a qual a apresentação foi aberta: Poemeto, do compositor paulista Osvaldo Lacerda, original para flauta e piano e arranjada para trio de violões pelo grupo. Na sequência, dois compositores cariocas de linguagens musicais distintas: 18 Strings, de Sérgio Roberto Oliveira, peça contemporânea de um personagem que, embora falecido precocemente, deixou uma produção atonal de grande valor para o instrumento, incrivelmente idiomática para um compositor não-violonista; e Crônica Breve, de Luis Carlos Barbieri, baseada em uma rica arquitetura contrapontística que dialoga com as leituras das crônicas de Anna Madalena Bach que o compositor realizava em 1990, ano de sua composição.

Do paulista Paulo Porto Alegre, um dos principais compositores-violonistas brasileiros da atualidade (inclusive para trio de violões), o grupo apresentou os três movimentos do Trio 2005 (Sem Título, Varandeio e Tocata), um dos pontos altos da noite e no qual ficou patente o efeito surround, com a eficaz passagem e espacialização dos temas entre os violões. Violonismo e virtuosismo em um jogo preciso tanto sonora quanto tecnicamente.

Da multinacional Elodie Bouny (venezuelana de nascença, francesa de formação, brasileira de coração e, nos últimos anos, de endereço português), o trio interpretou Três Desejos, peça encomendada pela Guitar Foundation of America (GFA) durante a pandemia. Reunindo recursos idiomáticos, efeitos percussivos e temas inspirados, a obra expressa o amplo domínio do métier (composicional e instrumental) que posiciona Elodie como uma das mais destacadas compositoras de nosso tempo (e não somente para violão).

Já de Sérgio Assad, patrimônio da Música Brasileira que dispensa apresentações, o trio apresentou os três movimentos da rara Suíte Brasileira N. 2 (Maracatu, Balada, Choro), única obra para trio de violões composta por Sérgio, encomenda de uma universidade americana, em 2011, para ser tocada por uma trinca de alunos avançados da instituição. Por isso, de acordo com Fábio Bartoloni, o mestre brasileiro “não poupou os violonistas”, concebendo uma peça tanto inspirada quanto capiciosa, cheia de ginga, vivacidade e virtuosismo. Os belíssimos e apaixonados temas da Balada (2º mov.), porém, certamente pagam, com sobras, todo o eventual esforço necessário para dar vida à obra.

Para finalizar, a cereja do bolo: o arranjo para três violões de outro Sérgio, o Abreu, para a Introdução, Tema e Variações sobre a "Flauta Mágica" de Mozart op.9, de Fernando Sor. Não há outra forma de definir: genial! Difícil imaginar como uma obra para violão solo tão bem acabada pode ser destrinchada para trio de violões sem perder seus sentidos e fluxo inexorável. Sérgio, contudo, foi além, desdobrando todas as potências e sonoridades tanto da peça solo quanto da ópera que a inspirou. O resultado: uma obra-prima encantadora e que foi brilhantemente interpretada pelo Trio.

E pensar que o arranjo quase se perdeu duplamente: primeiro, por ser resgatada nos escombros dos acervos de Abreu pelo violonista e professor Luciano Morais (UNESP) durante a sua pesquisa de mestrado; depois, porque Sérgio era relutante em deixar que o arranjo fosse tocado, pois julgava se tratar de uma obra de juventude despretensiosa e que fora feita pra ser fruída domesticamente com seu irmão, Eduardo, e seu avô, Antonio Rebello. Foi o próprio Trio Elipsoidal que, em 2022, mudou o jogo ao tocar o arranjo diretamente para Sérgio: “olha, isso está soando bem”, foram as palavras do saudoso Mestre. Poucos meses depois, ele viria a falecer e, não fosse pela iniciativa do Trio, talvez este brilhante arranjo continuasse obliterado em uma gaveta qualquer. No BNDES, a memorável performance fez jus ao memorável personagem.

Em entrevista ao Memorial do Violão, Breno Chaves, membro remanescente da 1ª formação, destacou que o grupo atravessou três fases: os primeiros anos, dedicados a um repertório geral que buscava encontrar a sonoridade característica do grupo; um segundo momento, no qual o trio passou a se dedicar sobretudo à música brasileira de concerto original ou arranjada para a formação (o repertório apresentado no BNDES é fruto desse processo); e um terceiro momento, atual, em que o grupo começa a mergulhar no repertório da música instrumental brasileira (com obras do grande Paulo Bellinati (1950), por exemplo). Na transição entre as duas últimas fases, o Trio planeja gravar o repertório apresentado no BNDES antes de partir definitivamente para os novos ares. Pela qualidade do programa e da interpretação apresentados, esta seria uma contribuição inestimável para a discografia brasileira do instrumento.

Por fim, no concerto apresentado nos palcos do BNDES, vale destacar que o brilhantismo do grupo se concentrou na unicidade: 18 Strings, mas um só violão. À força individual de seus membros, todos violonistas sólidos e de carreira destacável, soma-se uma rara disposição de reunir as capacidades técnicas e musicais em prol da música. Entendimento musical, sonoridade conectada, interpretações estudadas e bem acabadas, além de uma dose de humor e simpatia na apresentação das peças. Um pacote completo, de um Trio que certamente ainda dará muitas alegrias ao Violão Brasileiro.