THIAGO COLOMBO: O "TERROR DOS FACÕES" NA RÁDIO MEC
Resenha do recital/entrevista apresentado no programa Sala de Concerto, no Rio de Janeiro, em 25/07/2025
COLUNA HUMBERTO AMORIM
7/26/20257 min read


Thiago Colombo e o apresentador Toni Villani, nos estúdios da Rádio MEC.
Nascido em 11 de maio de 1981, o gaúcho Thiago Colombo vem dando uma contribuição decisiva para o violão brasileiro há pelo menos três décadas: entre 1998 e 2005, enfileirou diversos prêmios em concursos latino-americanos e europeus; rodou mais de 10 países encantando plateias com seu virtuosismo e musicalidade; lançou quatro CD’s premiados e aclamados pela crítica; realizou uma formação acadêmica completa e tornou-se um dos mais jovens professores de violão nas universidades federais brasileiras, ingressando na UFPEL em 2009, aos 28 anos. Hoje, com 44 primaveras, o autor da já icônica La Toqueteada é um professor, violonista e compositor consolidado, apresentando um portfólio de mais de 50 composições, entre obras para violão solo, música de câmera e canções.
Desde que o escutei ao vivo pela primeira vez, quando ele - aos 21 anos e ainda de cabelos! - conquistou o 2º prêmio no I Concurso de Violão Fred Schneiter (realizado em agosto de 2002, no Theatro Municipal de Niterói), já era patente que estávamos diante de um artista que entrega os dedos e o coração em doses não homeopáticas: virtuosismo, criatividade e inquietude sempre a serviço da música. Não foi diferente em mais uma passagem pelo Rio de Janeiro, ocasião em que Thiago se apresentou na maravilhosa série "Violões em Copa" (Espaço ABU) na quarta-feira (24/07), visitou o Memorial do Violão Brasileiro na quinta (25/07) e deu um concerto/entrevista ao vivo no programa Sala de Concerto, da Rádio MEC, na sexta (26/07).


Thiago Colombo e Humberto Amorim no Memorial do Violão Brasileiro.
THIAGO COLOMBO – RÁDIO MEC
PROGRAMA SALA DE CONCERTO
VILLA-LOBOS, Heitor (1887-1959)
Prelúdio 03
FLEURY, Abel (1903-1958)
Milongueo de Ayer
COLOMBO, Thiago
Caiguá
Contracorrente
DUTRA, Octavio (1884-1937)
Terror dos Facões
GNATTALI, Radamés (1906-1988)
Brasiliana n. 13
I – Samba Bossa-Nova
COLOMBO, Thiago
Milonga do Tempo Escasso
(em duo com Maria Haro)
BUARQUE, Chico / BASTOS, Cristóval
Todo o Sentimento
Arr. Thiago Colombo
Há cerca de um ano e meio, Colombo vem se apresentando em um violão de 08 cordas e esta foi a primeira vez que o assisti empunhando este instrumento. A impressão é de que a tessitura do violão de 06 cordas ficou pequena para a inquietude de sua imaginação e o músico precisou alargar o leque de possibilidades de seus processos criativos, na busca pela sonoridade de um violão orquestral que já era presente antes, mas que, no repertório gravado para a Rádio MEC, ficou ainda mais patente tanto no seu trabalho como intérprete do repertório canônico (Prelúdio 3, de Villa-Lobos) quanto no de arranjador de canções populares (Todo o Sentimento, de Cristóvão Bastos e Chico Buarque), um belíssimo arranjo encomendado por Maria Haro.
O programa também revelou o imaginário simbólico e criativo de um artista que, embora não tenha crescido geograficamente próximo à região dos Pampas e dos Sete Povos das Missões, foi indiretamente atravessado pelos ritmos e melodias que brotam de nossas terras fronteiriças com os países vizinhos e que, portanto, guardou em si os traços de uma singular e emaranhada paisagem sonora. Uma marca fortemente presente ora na interpretação de célebres compositores gaúchos (Radamés Gnattali e Octavio Dutra) e argentinos (Abel Fleury), ora no bojo de suas próprias composições: Caiguá, um contagiante chamamé com título em língua Guarani e que pode ser livremente traduzido por erva-mate e/ou porongo; e Contracorrente, tema envolvente que nos remete à melancolia de um rio fronteiriço que insiste em cruzar o território vizinho.
Em entrevista para o Memorial do Violão, Thiago nos revelou que a sua trajetória como compositor foi sinuosa: o artista iniciou a relação com a música justamente compondo na adolescência, inclusive com canções premiadas em festivais regionais e gravadas em LP’s. A partir de 1994, entretanto, passou a estudar violão clássico com os virtuoses Eduardo Isaac e Daniel Wolff (com quem fez o bacharelado e o mestrado na UFGRS) e a formação de concertista dominou a sua vida musical até 2007, quando o ingresso no grupo de música instrumental brasileira TrezeGraus reacendeu a sua fagulha composicional. De lá para cá, o músico não parou de compor mais, em um processo que o levou a gravar um celebrado e premiado CD de músicas autorais para violão solo: Latin Guitar Connections (TRL, Reino Unido, 2017), uma confluência de todas as suas vivências e quase uma autobiografia musical. Atualmente, suas composições são tocadas e gravadas em diversas partes do mundo, com destaque para as obras de violão solo.
No programa da Rádio MEC, Thiago também apresentou uma recente composição para dois violões: Milonga do Tempo Escasso, composta na semana anterior de sua viagem para o Rio de Janeiro e concebida especialmente para ser tocada em duo com Maria Haro nas apresentações que o músico realizou em terras cariocas. O título, autoexplicativo, indica que o compositor, para criá-la, teve que encontrar as brechas temporais possíveis diante de uma exigente agenda acadêmica, artística e familiar (Thiago é pai de Antônio, uma linda criança de 04 anos).




O duo com Maria Haro merece uma nota particular não somente pela beleza da milonga de Thiago, mas por revelar uma conexão ímpar, musical e humana, entre artistas de nível altíssimo. Desde que se juntaram pela primeira vez, em uma noitada carioca de música que amanheceu o dia na casa de Maria e Vera, no bairro praiano do Leme (e que contou com a presença do saudoso Sérgio Abreu), Maria e Thiago nutrem uma amizade e uma parceria musical única: pura química, pura emoção. Desta vez, Maria recebeu a partitura da obra dois dias antes da primeira apresentação, no Espaço Abu, e ambos tiveram pouco tempo de ensaio durante a semana. Contudo, para quem os escuta, a impressão é de que os artistas caminham juntos desde sempre. Muito raro e bonito quando o sensível e o humano se entrelaçam e a gente já não consegue distinguir a Arte da Vida. O duo faria um bem enorme ao violão brasileiro se, em algum momento, registrasse em CD ou EP a força desse encontro artístico e humano profundos.
Também vale destacar o fato de Thiago incorporar em seu repertório uma peça de Octavio Dutra (1884-1937), compositor gaúcho de obra singular, personagem pioneiro do Choro no Rio Grande do Sul e um dos principais criadores brasileiros da primeira metade do século XX. Aliás, a inclusão no programa desta pérola de Dutra (assim como de grande parte das outras peças tocadas) é fruto do trabalho do grupo de pesquisa Sul Tasto (CNPq/UFPEL), capitaneado pelo próprio Colombo e pelo professor Márcio de Souza, brilhante pesquisador que vem redimensionando o conhecimento que temos sobre as práticas pioneiras do violão em terras gaúchas. As peças de Octávio Dutra, por exemplo, são tocadas pouquíssimas vezes no Rio de Janeiro e a interpretação de Terror dos Facões, choro que remete às melhores páginas musicais de Ernesto Nazareth, revelou todo o virtuosismo, inspiração e ginga de uma produção que merece ser mais escutada.
Terror dos Facões, aliás, é uma metáfora perfeita para realizar uma leitura do trabalho de Thiago Colombo não somente neste concerto, mas durante toda a sua trajetória. No imaginário popular gaúcho das antigas, “facão” era uma expressão utilizada para nomear algo mal feito, nas “coxas”. No âmbito musical, indicava os músicos que não davam conta do recado em uma roda e/ou em uma apresentação. Os melhores músicos, portanto, eram conhecidos como suas antíteses: o “terror dos facões”. Octavio Dutra, o compositor da obra, era um deles.
Thiago Colombo também: um músico aterrorizante, no melhor sentido artístico possível.
Para finalizar, cumpre registrar a gentileza da equipe da Rádio MEC que me acolheu: o elegante e preciso apresentador Toni Villani, as competentes produtoras Adriana Ribeiro e Brisa Evangelista (a quem agradeço de modo especial pelas informações e hospitalidade) e o técnico Rafael Napoleão. O programa Sala de Concerto, que vai ao ar toda sexta-feira, às 17h, tem entregue concertos e entrevistas únicas para ouvintes de todo o Brasil, incluindo o violão de modo destacado em sua programação. Um agradecimento carinhoso também à super compositora e violonista Vera de Andrade, que gentilmente permitiu que suas fotos fossem utilizadas na matéria. Abaixo, mais duas delas:




Acompanhei presencialmente o programa realizado na Rádio MEC, no qual Thiago apresentou o seguinte repertório:
Foto 1: Thiago Colombo e Maria Haro nos estúdios da Rádio MEC.
Foto 2: Maria Haro, Thiago Colombo e Humberto Amorim no Memorial do Violão Brasileiro.