OCTÁVIO DELUCHI: UM “BOROGODÓ” DE VIRTUDES
Resenha do Concerto na Série Violões da AV-Rio Rio de Janeiro, CCJF, 19/07/2025
COLUNA HUMBERTO AMORIM
7/20/20255 min read


Desde que despontou no cenário do violão brasileiro, há cerca de uma década, Octávio Deluchi vem se destacando pelo virtuosismo e liderança, alcançando feitos notáveis para um artista ainda na casa dos vinte anos. Oriundo da forte escola mineira de violonistas que brotam das universidades federais (UFMG, UFSJ, UFOP, UEMG, UFU, UFJF) e de seus diversos e heterogêneos “clubes da esquina”, Deluchi cresceu em Prados (MG), formou-se sob a orientação de Guilherme Vincens na Universidade Federal de São João del Rei e há seis anos reside nos EUA, país no qual se tornou Mestre e está cursando o doutorado. Entre os seus professores, constam alguns dos mais importantes violonistas da atualidade: João Luiz, Robert Trent, Paulo Martelli e Fabio Zanon. Neste percurso, foi laureado em mais de 15 concursos internacionais/nacionais, apresentou-se no Carnegie Hall, estreou obras de importantes compositores e se tornou um embaixador das cordas Augustine. A outrora jovem promessa já é, portanto, uma realidade e uma celebração vitoriosa de nosso instrumento no mundo.


Não é a primeira vez que Deluchi se apresenta no Rio de Janeiro, mas esta apresentação na série da AV-Rio trouxe uma guinada interessante em seu repertório. Nas últimas vezes, o violonista se baseava fundamentalmente na literatura canônica do violão europeu, com algumas incursões de autores brasileiros mais vinculados à tradição da música de concerto. Desta vez, contudo, a escolha do repertório se deu em outra clave, sintetizada pelo próprio Deluchi na escolha do título do programa: “Borogodó”. A sentença quase autoexplicativa se evidencia quando analisamos as músicas escolhidas (apresentadas a seguir na ordem em que foram tocadas):
PROGRAMA “BOROGODÓ"
(Na ordem em que foi executado)
GONZAGA, Francisca (1847-1935)
04 Peças: Lua Branca, Balada da Opereta “A Corte na Roça”, Serenata, Gaúcho “Corta-Jaca”
(arranjos de Octávio Deluchi)
PASCHOAL, Vicente (1979-)
Sonata
Allegro non troppo
Largo/Cantabile
Allegro con Brio
PIAZOLLA, Astor (1921-1992)
Verano Porteño
(arranjo de Sérgio Assad)
VILLA-LOBOS, Heitor (1887-1959)
Prelúdios n. 1 e n. 2
PEREIRA, Marco (1950-)
Frevo
Bate-Coxa
GNATALLI, Radamés (1906-1988)
Toccata em Ritmo de Samba n. 1
REIS, Dilermando (1916-1977)
Eterna Saudade
Conversa de Baiana
Xodó da Baiana
Bis:
PASCHOAL, Vicente (1979-)
Dedicatória n. 1
Note-se que, à exceção de Piazolla, todos os compositores são brasileiros. As obras, de forma integral, são de autores/a que desmontam as barreiras criativas entre o clássico e o popular. Mesmo os mais vinculados à tradição de concerto, como Villa-Lobos e Vicente Paschoal, apresentam forte experiência/vivência na música popular, com obras que exigem do intérprete o mergulho em um idiomatismo e/ou dialeto que vai para muito além das notas escritas na partitura. Em síntese, um repertório que demanda uma dose farta de “borogodó” para ser tocado no seu mais perfeito nível de compreensão e encantamento.
O borogodó, afinal, é a qualidade que torna algo ou alguém atrativamente irresistível. Na música, essa dimensão simbólica se expressa por meio da captação de ritmos, articulações, fraseados, agógicas, melodias e contrapontos que, muitas vezes, estão subentendidos no enredo musical. Na interpretação das peças, Deluchi entregou o que o título prometia: nuances interpretativas, timbres envolventes e variados, vigor rítmico e sonoro, virtuosismo e malandragem, em um controle absoluto de todas as dimensões exigidas pelo programa. Música brasileira e latino-americana tratada com rigor e espontaneidade, dimensões difíceis de integrar, mas igualmente necessárias para se atingir o potencial esplendor embutido nesse repertório.
Todo o programa foi muito bem interpretado, mas algumas peças merecem distinção: Frevo e Bate-Coxa, de Marco Pereira, tocados com um suingue arrebatador; o Prelúdio 2, de Villa-Lobos, cujos arpejos e ligados leves e bem articulados conferiram à peça a densidade e fluidez de um rio amazônico; por outro lado, as encantadoras obras de Francisca Gonzaga revelaram que Octávio também é um transcritor inspirado e criativo; e, por fim, não se pode deixar de destacar o brilhantismo da bela e exigente Sonata de Vicente Paschoal, dedicada ao próprio Deluchi, uma ode ao violão e a expressão viva de um compositor maduro e senhor de seu instrumento (qualidades ratificadas na delicada Dedicatória n. 1, peça escolhida para o bis) .


Ao apresentar uma das peças, Deluchi confidenciou que a guinada para a escolha desse novo programa foi fruto de uma conversa sua com o Duo Siqueira-Lima (Fernando Lima e Cecilia Siqueira), poucos anos antes, na mesa de um bar carioca. Patrimônio da nossa Música, o Duo pode nos ter feito um bem inestimável ao aproximar um de nossos mais vibrantes violonistas a um repertório brasileiro que, muitas vezes, não é avaliado, estudado ou tocado com todas as camadas de profundidade que possui. Ao cumprir tais requisitos com a excelência que caracteriza os seus trabalhos, Deluchi tem o potencial de se tornar um dos principais embaixadores do Violão Brasileiro no mundo.
Finalmente, é preciso parabenizar a Associação do Violão do Rio de Janeiro. Por preços módicos e em uma sala histórica, com acústica privilegiada e beleza única, a AV-Rio (ontem representada por Nicolas de Souza Barros e Waldinar Menezes) vem entregando concertos imperdíveis e variados à comunidade carioca. O de Octávio Deluchi não escapou à regra.
Abaixo, alguns registros fotográficos do evento.
Humberto Amorim
Professor da UFRJ, violonista, pesquisador e fundador do Memorial do Violão Brasileiro









