BARTÔ, OBRIGADO!

Homenagem e nota de pesar pelo falecimento de Bartholomeu Wiese (1962-2025)

COLUNA HUMBERTO AMORIM

7/30/20256 min read

Há alguns meses acompanhava com preocupação as notícias sobre o estado de saúde do professor e violonista Bartholomeu Wiese (Ituporanga, SC, 07/09/1962 – Rio de Janeiro, RJ, 29/07/2025). Na noite de ontem, 29 de julho, uma terça-feira de inverno com frio e ventania, chegou a triste e irremediável notícia: após dura batalha contra um câncer que o acometeu em 2024, faleceu, aos 62 anos, um dos personagens mais queridos do violão carioca nas últimas décadas.

Querido não somente pelo que fez como músico, professor e agitador cultural, mas pela personalidade sorridente e solícita, sempre pronto a ajudar as pessoas ou encontrar uma sacada divertida com a sua inteligência e senso de humor aguçados. De gerações diferentes, nunca fomos amigos próximos, mas tive o privilégio de conviver por 18 anos com Bartô nos corredores e salas da UFRJ como colega de departamento. Neste ínterim, pude aprender com o seu convívio e presenciar as muitas ações decisivas que ele capitaneou dentro da instituição.

Algumas delas merecem nota particular: em princípios dos anos 2000, Bartholomeu foi o idealizador e motor do conjunto “Violões da UFRJ” (ativo até hoje), grupo camerístico formado por alunos/as da graduação que, ao longo de suas variadas formações, destacou-se pela qualidade e criatividade, chegando a gravar CD’s e a realizar turnês internacionais; ainda na década de 2000, foi chefe de departamento em uma gestão de importantes realizações; nas décadas de 2000 e 2010, cumpriu um papel decisivo nas sucessivas edições dos festivais internacionais de violão da UFRJ, eventos que trouxeram alguns dos principais violonistas do mundo para os palcos de nossa universidade; na década de 2010, foi Bartholomeu quem liderou a criação dos cursos inovadores de Bacharelado em Bandolim e Bacharelado em Cavaquinho (hoje consolidados), projetos que defendeu com competência e brilhantismo em todas as instâncias institucionais; mais recentemente, foi o grande articulador dos títulos de Doutor Honoris Causa que serão concedidos aos lendários irmãos Assad. Todas iniciativas únicas que já confeririam a ele um lugar privilegiado na história da universidade e de nosso instrumento.

Mas não foi só. Há também um legado decisivo como violonista, professor e pesquisador. Como músico, foi um virtuose versátil, transitando com naturalidade entre a música de concerto e a popular e atuando tanto como solista de orquestras sinfônicas quanto como integrante de grupos instrumentais icônicos (Galo Preto e Orquestra de Cordas Brasileiras). O pesquisador deixou a sua marca em trabalhos fundamentais sobre Radamés Gnattali (mestrado) e sobre a utilização do dedo mínimo da mão direita no repertório para violão solista (doutorado concluído em 2013, na UNIRIO, sob orientação de Luís Otávio Braga), pesquisa que se tornou referência nos estudos sobre o tema. Já do professor, bem... Mais difícil escrever sem se emocionar, pois Bartô conseguia despertar nos estudantes um carinho e respeito que ia para muito além da relação aluno/professor. E isto não há muito como explicar, porque, além da dedicação e competência no ofício, existe um componente de bondade, generosidade e humanidade que não encontra tradução imediata em palavras. Os diversos depoimentos emocionados de alguns de seus alunos e ex-alunos que pululam nas redes dão uma pequena dimensão de suas virtudes: era alguém sempre disposto a ajudar com o seu melhor, de forma gratuita e despretensiosa.

Um testemunho pessoal ilustra o fato: entrei na UFRJ em 2007, como professor substituto. Em 2008, saiu o edital do concurso para professor efetivo. À época, passava por apertos financeiros para sustentar a vida cara no Rio de Janeiro e me preparava em três turnos para realizar as provas do concurso. Deixei as escolas particulares em que trabalhava e fiquei apenas com uma matrícula pública em São Gonçalo e o emprego de substituto na Universidade. Nos corredores da instituição, Bartô acompanhava minha dedicação e o quão estava empenhado na preparação, sempre com uma palavra de encorajamento na ponta da língua. Um dia, pouco antes das provas, finalizei minhas classes e fiquei estudando o repertório das provas práticas em minha sala. Ele bateu à porta e pediu para entrar, ofereceu-se para escutar integralmente o programa (que incluía o Concerto de Villa-Lobos e 30 minutos de repertório solo). Ouviu tudo com atenção, pediu que eu tocasse alguns trechos novamente, deu dicas e sugestões preciosas em cada uma das peças. E, ao final, como se não tivesse feito nada, me deu um abraço e disse: “boa sorte, garoto”. Não fui um de seus alunos e tampouco era uma pessoa íntima. Ele o fez por simples vontade de ajudar, pura bondade, assim como o faria para qualquer um/uma que estivesse na mesma situação. Inesquecível momento de aprendizado para mim, musical e humano.

Depois, mantivemos uma boa relação nestas quase duas décadas de convívio. Serei sempre grato, por exemplo, pela sua presença em dois momentos capitais de minha trajetória: os recitais de lançamentos dos livros Heitor Villa-Lobos e o Violão (2009); e Ricardo Tacuchian e o Violão (2014). Em ambas as ocasiões, aceitou tocar nos eventos (com participações belíssimas) sem cobrar nada. Os registros abaixo me emocionam profundamente.

Recentemente, um de meus alunos, Cláudio Alencar, foi visitá-lo já acamado e lutando contra a terrível doença. Cláudio havia estudado com Bartholomeu em semestres anteriores e ambos se tornaram amigos. Da cama, mesmo debilitado, pediu para escutar o repertório de Cláudio e, ali mesmo, o deu uma senhora aula de violão. Cláudio me contou o episódio emocionado. Até o último momento, portanto, brilhou o amor pelo pinho e o desejo de ajudar seus pares. Um exemplo em todos os sentidos.

Bartô, obrigado! Descanse em paz, companheiro. Sua missão aqui foi cumprida com louvor e seu legado como músico, professor, pesquisador e amigo seguirá se desdobrando por meio das muitas sementes e árvores maravilhosas que você plantou.

Minha solidariedade à querida Márcia Carnaval, à família e aos incontáveis amigos e amigas que Bartô deixa. Abaixo, os detalhes do velório e da cerimônia de cremação para quem puder estar presente.

EDITADO EM 31/07/25 PARA INCLUIR A LEMBRANÇA DO VELÓRIO. O corpo de Bartô foi velado em uma cerimônia muito bonita e emocionante, materializada por comoventes homenagens em discursos, poesia e música, inclusive com intérpretes se revezando ao violão. Além dos familiares, estiveram presentes dezenas de amigas e amigos, parceiros musicais, alunos e ex-alunos, colegas de trabalho na UFRJ (que se fez representar oficialmente com uma bela coroa de flores), violonistas e músicos de diversas gerações. Bartô estava com um semblante sereno e pacífico. Especialmente tocante o momento final, quando o caixão estava prestes a ser fechado e Bartô recebeu um último beijo de sua esposa, Márcia. Seu ex-aluno e amigo de longa data, Fabrício Eyler, também se aproximou com um violão em mãos para tocar alguns acordes derradeiros próximos ao seu ouvido. Um fim lindo e digno para uma vida igualmente linda e digna. Abaixo, a lembrança do velório, que registro ao lado de meus sentimentos a Márcia, Denise, Fernanda, Rodrigo e todos os demais familiares e pessoas próximas. Até breve, Bartô!